sábado, 11 de junho de 2011

Há Vida Inteligente na reflexão da Justiça pensando na PEC dos recursos

Com muito louvor, recepcionamos o texto do I. José Miguel Garcia Medina, in CONSUR que expressa os pensamentos de uma grande maioria, que acredita na justiça precisa ser inserida a PEC da qualidade.

A Justiça não se expressa somente em números

Muito se tem discutido em torno da conveniência de se limitar (ainda mais!) a quantidade de recursos que chegam aos tribunais superiores. Mas pouco se fala a respeito da função que estes tribunais exercem, no Direito brasileiro.
Em sistemas jurídicos em que as normas constitucionais e federais são aplicadas por tribunais estaduais e tribunais regionais federais autônomos entre si, justifica-se a existência de recursos que têm a finalidade de proporcionar a unidade de inteligência acerca do Direito nacional.
É o que sucede com os recursos extraordinário e especial.
A aplicação do Direito pelos órgãos judicantes seria precária se não se buscasse preservar a unidade de sua compreensão, evitando interpretações divergentes do Direito positivo. Busca-se, por isso, na medida do possível, obter a unidade de inteligência da norma, em função do entendimento unificador e estabilizador que lhe devem dar os tribunais superiores.
Através dos recursos extraordinário e especial, espera-se obter a uniformização da interpretação da norma jurídica, evitando-se a persistência de decisões que adotem orientações diferentes acerca de uma mesma regra ou princípio jurídico de Direito Constitucional ou de Direito federal infraconstitucional.
Nota-se, pois, que os recursos extraordinário e especial ligam-se à idéia de federalismo, forma adotada pelo Estado Brasileiro (arts. 1.o e 18 da CF/1988).
A Emenda Constitucional 45/2004 criou situação paradoxal: o Supremo Tribunal Federal não mais examina, através de recurso extraordinário, questões constitucionais que digam respeito apenas às partes — isto é, que não ostentem repercussão geral. O mesmo, ao menos até o momento, não ocorre com o recurso especial, já que, neste caso, é irrelevante saber se a questão interessa apenas para as partes, ou se ultrapassam “os interesses subjetivos da causa” (art. 543-A, § 1.o do CPC).
Assim, decisões proferidas pelos tribunais regionais e dos estados, ainda que manifestamente contrárias à Constituição Federal, podem passar em julgado. O mesmo não ocorre, necessariamente, se estas mesmas decisões forem contrárias à lei federal — já que, neste caso, ao menos em tese e enquanto não é aprovada nova emenda constitucional limitadora do acesso aos tribunais superiores, será possível pedir a correção do erro ao Superior Tribunal de Justiça, através de recurso especial.
Por isso, preocupa-nos a tendência, manifestada na denominada PEC dos Recursos, de se limitar ainda mais o acesso aos tribunais superiores. Ora, é função do STF e do STJ uniformizar a inteligência da norma constitucional e federal-infraconstitucional, no Direito brasileiro. Ao se estreitar, excessivamente, o acesso aos tribunais superiores, corre-se o grande risco de se aumentar ainda mais a divergência jurisprudencial existente nos tribunais nacionais acerca dos mais variados temas de Direito Constitucional e federal — e, como se sabe, a jurisprudência brasileira é profícua na criação de divergências e no desrespeito aos precedentes, algo que o projeto do novo CPC quer evitar.
Não seria adequado, então, indagar por que, afinal, os tribunais estaduais e regionais federais não respeitam a jurisprudência dos tribunais superiores? Ou, ainda, por que os tribunais superiores oscilam tanto em sua própria jurisprudência?
Estreitar o cabimento dos recursos extraordinário e especial pode, eventualmente, reduzir a quantidade de processos em trâmite nos tribunais superiores. Mas penso, sinceramente, que o número de processos nos tribunais não pode ser o único motivo para a reforma do sistema recursal.
O sistema recursal deve ser reformado para ser aprimorado, melhorado, para que se possa de fato dizer que a prestação jurisdicional entregue pelo serviço público jurisdicional é de qualidade. Limitar o cabimento dos recursos extraordinário e especial — e, consequentemente, o âmbito de atuação dos tribunais superiores — poderá tornar tais recursos de pouca serventia no Direito brasileiro. Assim como as pessoas e as coisas, também as potestades existem para servir. Deve-se, então, discutir em primeiríssimo lugar para que servem o STF e STJ — e não vale responder que servem a si mesmos.
Por estas e outras razões, espero que a reforma constitucional que se anuncia preocupe-se em “pensar pensando” e não em “pensar calculando”. Como se tem afirmado, as causas dos problemas do mundo não são primariamente de ordem material; o mundo, hoje, sofre fundamentalmente com a carência de pensamentos. Como explica Stefano Zamagni, “o pensamento deve ser pensante, não calculante. Porque o pensamento calculante, aquele que nos ajuda a resolver os problemas, é pensado pelos outros. O pensamento pensante lhe dá a direção, o saber se deve ir por aqui ou por lá.” O pensar pensando exige serenidade, esforço, e uma boa dose de ascese.
Para se administrar a Justiça, é necessário pensar pensando, e não apenas pensar calculando. A Justiça não se expressa apenas em números.