segunda-feira, 28 de março de 2011

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA
ORGÃO: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL - SEGUNDA TURMA CLASSE: HABEAS CORPUS - SALVADOR
Habeas Corpus nº 3593-42.2011.805.0000-0 Comarca: Nova Soure/BA Impetrante: Bela. Kátia Simone Araújo de Almeida Biscarde - OAB/BA 10829 Paciente: Maria Idália de Jesus Souza Impetrado: Juiz de Direito da Vara Crime da Comarca de Nova Soure/BA Relator: Des. Nilson Castelo Branco DECISÃO Vistos. Cuida-se de ordem de habeas corpus impetrada pela Bela. Kátia Simone Araújo de Almeida Biscarde, com pedido de provimento liminar, em beneficio de Maria Idália de Jesus Souza, presa por força de prisão preventiva decretada em 12.01.2011, acusada de infração ao quanto disposto no art. 121, caput, c/c o art. 14, II, ambos do CP. Aponta como autoridade coatora o MM Juiz de Direito da Vara Crime da Comarca de Nova Soure/BA. Como fundamento do presente writ, sustenta que a Paciente sofre constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção em face da absoluta desnecessidade da custódia cautelar, uma vez que inexistem os requisitos autorizadores da medida, até mesmo porque o Paciente reúne condições favoráveis à concessão da liberdade provisória. A esse respeito sustenta que a representação formulada pela autoridade policial não estava calcada em qualquer elemento novo de prova que apontasse para a periculosidade da Paciente. De igual forma, segundo a inicial, a decisão impugnada e que decretou a segregação cautelar não se encontra fundamentada, notadamente porque ausente qualquer prova acerca da materialidade delitiva. Por fim, sustenta que a Paciente apresenta grave quadro de saúde, necessitando de cuidados especiais e intervenção cirúrgica, impossíveis de serem prestados no cárcere. Sustenta que,em 01.03.2011, foi formulado pedido de conversão da segregação preventiva em prisão domiciliar, pleito ainda pendente de apreciação por parte da autoridade coatora. A inicial se fez acompanhar dos documentos de fls. 13/47. A defesa apresentou, por fax, petição ampliando o conteúdo do pedido, a fim de que fosse deferida, liminarmente, a conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar (fls. 50/51). É o relatório. Decido. Inicialmente, determino o apensamento, aos presentes autos, do habeas corpus nº 1979-02.2011.805.0000-0, impetrado em benefício da mesma Paciente e relacionado à mesma ação penal originária, com idênticos fundamentos fáticos e jurídicos, a fim de evitar decisões contraditórias. Compulsando os autos, vislumbro a presença dos requisitos do fumus boni iurise do periculum in mora, a impor a concessão parcial do pedido initio litis. Quanto à alegada desnecessidade da custódia cautelar, verifica-se que as decisões de fls. 46 e 47 trazem como fundamento a garantia da ordem pública, esta evidenciada pelo modus operandi empregado na prática delitiva, razão pela qual não identifico, pelo menos nesse momento procedimental, o alegado vício de fundamentação. No entanto, verifica-se que a Paciente apresenta quadro de saúde grave, tendo sido submetida a um procedimento cirúrgico para tratamento de hemorróidas. Conforme relatório médico de fls. 22, a Paciente "apresenta, no momento, obstrução, dor em região anal que piora ao defecar", além de se encontrar em "uso contínuo de laxantes e proctyl, porém mantendo o quadro." Depreende-se dos autos, ainda, que o Paciente apresenta lesão hemorroidiana em posição de 6 horas, necessitando de dieta e higiene adequadas, devendo ser submetida a nova intervenção cirúrgica (v. documento de fls. 22). Destarte, muito embora não se vislumbre, num primeiro súbito de vista, qualquer ilegalidade que possa justificar a concessão da liminar em toda a extensão requerida pela Impetrante, importa considerar que a manutenção da Paciente no cárcere se mostra como medida extrema e que pode levar ao agravamento do seu quadro médico, com graves riscos para sua saúde. A prisão domiciliar é prevista na Lei de Execução Penal para os condenados que estejam cumprindo pena no regime aberto, desde que atendam a alguns requisitos, expressamente elencados no artigo 117 do aludido diploma legal, dentre os quais se encontra estar o condenado acometido de doença grave. Para a excepcionalidade da colocação do preso provisório em prisão domiciliar, necessário estar devidamente comprovado que o recluso é portador de doença grave cujo tratamento não possa ser ministrado no próprio estabelecimento prisional em que esteja recolhido, ou que o tratamento médico ali prestado é ineficiente ou inadequado. Este o entendimento majoritário da jurisprudência: CONSTITUCIONAL -PROCESSO PENAL -HABEAS CORPUS -CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - CRIMES CONTRA A ECONOMIA POPULAR -CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES DO CONSUMO -ESTELIONATO -FORMAÇÃO DE QUADRILHA -PRISÃO PREVENTIVA -PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA PARA LOCAL FORA DO DISTRITO DA CULPA -MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL DE 2º GRAU -SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA -"CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA" -FUNDAMENTO INIDÔNEO -NECESSIDADE DA CAUTELA PARA A CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E PARA O RESGUARDO DA ORDEM PÚBLICA -JUSTIFICATIVAS VIÁVEIS -DEBILIDADE DO ESTADO DE SAÚDE DO PACIENTE - PRISÃO DOMICILIAR -POSSIBILIDADE -ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, CONCEDIDA EM PARTE, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR ANTERIORMENTE DEFERIDA. (...) 5. Ainda que não satisfeitos os requisitos específicos do artigo 117 da Lei de Execução Penal, a prisão domiciliar também pode ser concedida a preso provisório cujo estado de saúde esteja débil a ponto de não resistir ao cárcere, em respeito à dignidade da pessoa humana. Precedentes. 6. Nessa hipótese, o benefício deve perdurar apenas enquanto a saúde do agente assim o exigir, cabendo ao Juízo de 1º Grau a fiscalização periódica dessa circunstância. 7. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, concedida em parte, confirmando-se os efeitos da liminar anteriormente deferida - STJ - HABEAS CORPUS: HC 72067 PE 2006/0271133-3 - Relator(a): Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) - Julgamento: 06/02/2008 - Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA - Publicação: DJ 24.03.2008 p. 1 In casu, o laudo médico de fls. 22 comprova que o estado de saúde do Paciente é grave, necessitando de cuidados médicos específicos e constantes, impossíveis de serem prestados no cárcere, sob pena de haver evolução para quadro médico ainda mais gravoso, notadamente em vista das precárias acomodações da cela onde se encontra custodia, conforme demonstrado às fls. 28/29 (fotografias). O tratamento médico da paciente demanda cuidado minucioso, incompatível com a sua segregação em estabelecimento prisional, seja em razão da cautela imprescindível, ao lhe serem ministrados medicamentos, seja pela necessidade de ser ela mantida em ambiente salubre, onde possa ser submetida aos exames adequados e na freqüência recomendada. É que, na vigência de um Estado Democrático de Direito, de cunho constitucional, deve-se prismar pelo respeito aos direitos fundamentais, como aqueles insertos nos arts. 1º, III e 5º, XLIX, ambos da CF, consoante abaixo transcrito: Art. 1º, CF - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático e Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana. Art. 5º, CF - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. Velar pela aplicação de tais princípios, buscando um direito penal moderno, ético e justo, é função inarredável do Juiz Garantidor da primazia dos direitos constitucionais e guardião da democracia substancial. O benefício da prisão domiciliar, assim, se escora no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, princípio este que se reputa intangível, devendo ser respeitado e garantido. Ante o exposto, defiro o pedido de provimento liminar da ordem apenas para determinar a conversão da segregação preventiva em prisão domiciliar. Solicitem-se as informações à apontada autoridade coatora, a serem prestadas no prazo de lei. Após, dê-se vista à Procuradoria de Justiça para confecção de parecer opinativo. Em seguida, voltem-me conclusos. Publique-se. Intime-se. Salvador, 25 de março de 2011 Des. Nilson Castelo Branco Relator